MEDITAÇÃO DE NATAL INSPIRADA EM
Isaías, 9, 1-5
"O povo que andava nas trevas viu uma grande luz".
Assim iniciava a visão do profeta Isaías, prevendo uma nova era que se abriria para o seu povo, para os Judeus.
O que isso tem a ver conosco? Muito, se nos dermos conta de que, hoje, as trevas se fazem presente lado a lado com a luz prevista por Isaías. Mas as trevas de que falamos, não aparecem nas mesmas circunstâncias daquelas a que Isaías aludiu. Porque naquele caso, a luz não havia ainda chegado. A luz de Isaías era apenas uma previsão futura. Ele falava como profeta. Portanto, a luz era um anseio, um grande desejo, um desejo de paz, de justiça, de liberação do jugo, da canga que pesava nos ombros do povo, a libertação da escravidão a povos estranhos que hoje, para nós, simbolizam o pecado, a indiferença para com Deus, a rejeição a Ele.
O que há em comum com as trevas de Isaías, consiste em que, naquela época, como agora, as trevas eram fruto da desobediência a Deus. Hoje em dia, não nos perguntamos mais, a nós mesmos, o que é que Deus quer de nós. Acordamos pela manhã e, quando muito, fazemos uma rápida oração, mas não nos colocamos a seu serviço. Vivemos o dia-a-dia como se Ele não existisse, ou fosse uma vaga ideia, como se não estivéssemos continuamente na sua presença divina. Aliás, evitamos, às vezes, até de pensar que estamos constantemente diante de Deus, porque isso nos incomoda, porque isso nos faz compreender que os interesses de Deus são mais importantes que os nossos, sempre mesquinhos, sempre voltados ao nosso prazer, bem estar, sempre envolvidos com as nossas conveniências particulares. Se nos lembramos de Deus, é apenas para colocá-Lo a nosso serviço, para que ele resolva nossos problemas, muitos dos quais criados por nós próprios com o nosso orgulho, com o nosso egoísmo. Às vezes, rezar um terço, ir a uma Santa Missa, ou fazer algo que julgamos ser um bem constitui apenas um desencargo de consciência, um modo de procurar satisfazer nosso inconsciente sentimento de culpa. Um modo sorrateiro de procurar estar bem com Ele, um modo de ganharmos crédito que nos permita cuidar de nossas coisas segundo apenas o nosso critério. Isso, quando estamos suficientemente desenvolvidos espiritualmente para permitir que a nossa sensibilidade, a nossa consciência do pecado nos façam sentir em dívida com Deus.
Para esses, a vida é como um armário com as suas gavetas devidamente ordenadas segundo suas finalidades: temos a gaveta do trabalho, a gaveta dos afazeres de casa, a gaveta do cuidado com os filhos, a gaveta dos deveres para com o nosso cônjuge, a gaveta das obrigações paroquiais, e tantas quantas gavetas forem necessárias para serem destinadas segundo a complexidade de nossas vidas. E, naturalmente, como cristãos, temos aquela gaveta que achamos a mais importante: a gaveta de Deus. E, assim, pensamos estar quites com o nosso Criador.
O que ninguém pensa é que Deus é que é o próprio armário no qual temos de inserir todas as gavetas, todos os aspectos de nossa vida inteira. Reduzir Deus a uma simples gaveta, por mais importante que a achemos, demonstra não só a pequena dimensão como O consideramos, mas também revela que não submetemos a Ele todos esses aspectos. Retiramos dele a responsabilidade de cuidar de nós, de abençoar todas as extensões de nossas vidas que estariam integradas harmoniosamente, dentro de uma dinâmica dirigida pelo Espírito Santo, se colocássemos nossas ações, o nosso corpo, a nossa alma em Deus. Deixamos de transformar nossas diversas atividades numa única oração, porque realizadas em Deus, segundo a Sua vontade. Engavetar o próprio Deus é a treva na qual vivemos, e que difere das trevas de Isaías apenas por um grandioso aspecto: nós já estamos imersos numa Grande Luz.
De fato, "um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome" : Jesus, o Cristo. Ele é a Luz do mundo, Ele dá sentido às nossas vidas, porque abriu o Céu para nós. É Ele que nos faz perceber o absurdo de optarmos viver com as trevas, quando Ele está dentro de nós. É Ele que nos faz perceber o absurdo de reduzi-lo a uma simples gaveta, como se fosse apenas uma das muitas obrigações do dia-a-dia. Com o batismo, fomos inseridos n'Ele, fazemos parte de seu Corpo. É n'Ele que agimos. Na verdade, fazemos parte de sua Luz, pois o Espírito Santo, o Espírito de Deus faz irradiar em nós e no nosso meio a Boa Nova, o modo como nos posicionamos diante do nosso Salvador e diante dos Homens, diante das nossas próprias vidas. Não podemos esconder essa luz debaixo da cama, prendê-la numa gaveta. Pois, com isso, as trevas também nos atingirão. E o povo de Isaías não compreenderá como pudemos desperdiçar esse grande tesouro, frustrar essa grande esperança. O mundo ao redor está voltando às trevas de antes, e nós somos, no mundo, os portadores dessa luz. Com a condição de perguntarmos a Ele todas as manhãs de nossa vida: Senhor, o que queres que eu faça hoje?
O Natal está à porta. Ele nos lembra a luz que Isaías previu e que já contemplamos; nos lembra a vinda do Senhor, o Menino que nos foi dado. O Natal não nos remete apenas àquela vinda ocorrida há 2000 anos atrás, mas também a que há de vir. Reduzir o Natal a uma festa do consumo cheia de lâmpadas coloridas e velhos barbudos não é propriamente a melhor maneira de esperar Jesus. Na oração e no espírito de caridade, amando-nos mutuamente como Jesus nos amou, criaremos o ambiente natalino pensado por Jesus e pelo qual morreu. E não nos esqueçamos de incluir na confraternização do Natal também os pobres, aqueles que não sabem que são nossos irmãos. Festejar o Natal, enfim, é manifestar um amor que já foi doado o ano inteiro ao nosso próximo, indo além da barreira familiar. Se estivermos continuamente cientes de que estamos diante de Deus, fazendo a Sua divina vontade, o Espírito Santo nos mostrará claramente a melhor maneira de festejarmos o nascimento de Jesus.
E não haverá um só Natal igual ao outro.