O PAPEL ATUAL DO LEIGO
NO MUNDO
Não me
agrada a palavra ‘leigo’. Ela pode significar também gente que não tem nenhum
conhecimento de alguma questão ou algum assunto. Foi usado sobretudo na Idade Média para diferenciar o povo muitas vezes iletrado que não tinha
acesso à Bíblia, tampouco ao latim, língua corrente
na Igreja de então. Assim, a conotação de leigo, na verdade, é pejorativa. E o assunto, neste caso, é o cristianismo. Acho muito
difícil que eu encontre alguém nesta assembléia que não saiba o que seja
cristianismo. O termo ‘leigo’ separa a comunidade dos apenas batizados,
daqueles que sabem tudo sobre teologia ou doutrina cristã, como acontece com os
teólogos ou pessoas que ocupam a hierarquia eclesiástica. Como se o
cristianismo fosse apenas uma teoria que se aprende nos seminários ou em
qualquer faculdade. Cristianismo é, sobretudo, vida. Uma forma de viver, segundo
determinados valores impostos por Jesus, ORIGEM DE NOSSA IGREJA. É, sobretudo,
o encontro com Deus, com Jesus, que traz em si mesmo o encontro com os irmãos.
É um ato de convocação à vida de Cristo, de unificação, de responsabilidade
para com o irmão, para com os outros. E isso une todos nós num mesmo plano, tanto
os que formam a hierarquia da Igreja, como aqueles que a ela, hierarquia, não
pertencem.
Não
obstante, os leigos participam do sacerdócio de Cristo, não isoladamente, como
os presbíteros, mas enquanto comunidade, enquanto Igreja. E é nessa comunidade
que os leigos agem - entre si e no relacionamento transformador do mundo,
movidos pela Graça.
No plano
pessoal, o leigo inserido num mundo pleno de valores não cristãos, só se
sustenta se tomar consciência de que está sempre diante de Deus, unido a ele na
oração e unido aos irmãos na liturgia e numa relação de amor em Cristo,
vivenciando o Seu Mandamento Novo.
Mas a vida
cristã não se exprime somente nas virtudes pessoais, mas também nas virtudes
sociais e políticas, segundo documento papal. São imprescindíveis o
relacionamento honesto em todas as circunstâncias, uma atitude ética em
quaisquer situações, a obediências às normas sociais justas, sabendo que possuimos
a responsabilidade também por aquelas normas injustas. Porque vivemos numa
democracia, e o comportamento das pessoas que detêm o poder é fruto de nossas
escolhas. Essas pessoas refletem o que somos.
As
estruturas sociais justas, segundo o nosso Papa Bento XVI, não nascem nem
funcionam sem um consenso moral da
sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes
valores até mesmo contrariando o
interesse pessoal. Uma sociedade na qual Deus está ausente não encontra o
consenso necessário sobre os valores morais, nem a força para viver segundo o
modelo nascido desses valores.
A tarefa da
Igreja, a sua vocação fundamental é, portanto, “formar as consciências, ser
advogada da justiça e da verdade, desenvolver a virtude individual e política”.
E os leigos católicos devem amadurecer sempre mais a consciência da
responsabilidade que têm de estar presentes na formação dos consensos
necessários, e na oposição contra as injustiças, e de levar a luz do Evangelho,
na vida pública, cultural, econômica e política, agindo na sociedade como
“fermento”, e, com isso, tornando Cristo visível, mediante o testemunho de uma
vida que transpareça a fé, a esperança e a caridade.
Estamos em
época de eleição, e o dia do leigo chegou numa boa hora, para que nos lembremos
de nossa responsabilidade pessoal para com o destino de nossa cidade, isto é,
para com o destino de nossa gente. O ato político, segundo o Beato João Paulo
II, é o maior ato de amor. Por que? Porque ele mexe com o destino de milhares
de pessoas de uma só vez. Porque só ele pode criar condições para o atendimento
das necessidades básicas de todos os cidadãos de uma cidade, de um estado, de
um país, por meio de decisões simples. Milhões de pessoas, portanto, são
atingidas. Essas decisões só se complicam quando interesses outros, de modo
geral escusos, atrapalham o seu bom encaminhamento. Numa democracia, o destino da nação está em
nossas mãos. SÓ EM NOSSAS MÃOS, porque o poder é originado do povo.
Hoje é quase
impossível acreditar que o coração de um candidato a um cargo político esteja
cheio de amor para dar. Se existe amor é em relação às suas próprias
conveniências, e não para com o povo que o vai eleger. Por isso, o desinteresse
para com a política nos torna, como cristãos, cúmplices desses marginais que
nos roubam. Esse desinteresse, pode não parecer, também constitui um ato
político. Um mau ato político. Temos de conhecer quem se candidata, sua vida,
seu passado, sua conduta moral, sua experiência política anterior, seu partido.
Sobretudo seu partido, pois cada partido tem suas características próprias, sua
cultura interna, sua visão do seu real papel na vida política, sua ideologia. Por
mais aparentemente honesto que um candidato se apresente, ele com certeza será
absorvido pela cultura interna de seu partido, e, dependendo dessa cultura, cede
às suas influências internas, o mais das vezes, deletérias. Não se pode acertar
sozinho dentro de um partido. Portanto, se percebermos num partido ocorrências
desonestas constantes de seus membros, isso não é somente fruto da consciência
moral desses políticos, mas da cultura interna do partido.
A maioria
dos partidos, embora tenham de apresentar um programa, seguem, na prática, a
filosofia do quem der mais. Esses são os mais perigosos.
Há, porém,
aqueles que seguem uma ideologia, uma filosofia sócioeconômica que pode ser boa
ou má para os cidadãos. Nesses, a corrupção está presente com menos intensidade
que nos outros partidos. Mas devemos sempre perguntar o que eles vão fazer com
a honestidade deles. Afinal, ser honesto é uma virtude básica, e não define,
por si só, se um político ou partido é bom ou mal. É a filosofia de governo que
revela a validade de um partido para os eleitores. Para quem ele vai governar?
Para os poderosos ou para o povo? Vai dar preferência aos donos das riquezas ou
às outras classes sociais? Quais são os valores que defendem? Ajustam-se aos
valores cristãos ou são contrários a eles? Aqui devemos nos lembrar do manifesto
de Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe: “Depôs os poderosos dos tronos e exaltou os
humildes”. E obedecer a Ela.
Como se vê,
a escolha é complexa, e, infelizmente, o povão não está ainda à altura de uma
democracia que exige consciência política, uma situação econômica digna, um
mínimo nível cultural para poder estar à corrente do que se passa naquele mundo
nebuloso da política. Por isso, cabe à Igreja, através dos leigos, estudar sua
doutrina social que os papas através dos tempos nos têm legado. E com base
nesses valores fazer as escolhas. E não só. O cristão não deve guardar esses
conhecimentos apenas para si. Na nossa sociedade existem cristãos mal
informados que precisam ser esclarecidos sobre esses valores políticos básicos.
Sem defender qualquer política partidária, esses cristãos, coerentes com os
valores cristãos, devem dar essas orientações para que as escolhas possam ser
feitas, com menor chance de erros possível.
E orar, orar
sempre. O ato de votar é um ato solitário, porque o cristão está diante de Deus
e da urna. Só diante da urna, mas também diante de Deus. Mas, embora solitário,
o voto tem valor coletivo, de consequências inimagináveis, pois ali é jogado o
destino dos nossos irmãos. Por conseguinte, votar não representa somente a
expressão da vontade pessoal, seja ela qual for. Ali, se deve fazer a vontade
de Deus. Votar, para nós cristãos, é um ato de amor.